De olho nas tendências!

Hoje tô aqui para tratar de um assunto que pode ser visto como mais um modismo da televisão brasileira. Reportagens, quadros-fixos e até programas inteiros se esbaldam nesse universo temático que parece estar a cada dia mais familiar ao grande público. Escrevendo desse jeito parece até que este post é sobre a graça do momento (o stand-up), ou o mais novo vício esportivo (o UFC)... Não é! Desculpa, Rafinha Bastos e Anderson Silva, mas o espaço agora é para volumetria e sobreposições. Até outro dia, se me perguntassem a respeito, eu diria que eram conceitos de Física. Mas pra quem já ouviu esses termos ficou fácil descobrir que o nosso papo da semana é sobre a própria moda – aquela dos desfiles, Gisele Bündchen e O Diabo Veste Prada – também conhecida na noite paulistana (?!) como mundo fashion.

Por mais que tenha se tornado hype falar sobre moda na TV, não foi num mero apertar de botões que tudo começou. O tubo de raios catódicos teve que esquentar por muito tempo até as imagens ficarem de fato nítidas e amplamente difundidas pelos veículos e programações. Lembro de raros momentos em que a moda foi assunto na televisão durante minha infância: na maioria das vezes era quando ex-modelos, que viravam atrizes, falavam sobre suas peregrinações antes de se tornarem artistas... Fora isso, lembro não!

Aí chegaram as modelos “Top” que, diferentes das anteriores, se transformaram em motivo de atenção antes mesmo de concluírem as carreiras das passarelas, ganhado o status lucrativo de celebridades. Com a internet o mundo fashion se alastrou e inúmeros blogs e sites especializados atraíram (e atraem!) o interesse popular. Muita gente passou a olhar não somente as modelos, mas também o que elas vestiam e, com tanto consumidor buscando informação sobre moda, o setor de vestuário iniciou uma produção em larga escala de comunicação: revistas próprias, novos sites, material audiovisual para o interior das lojas, eventos específicos e gordas (?!) cotas para publicidade.

A fatia

A TV (que não é boba, nem nada!) aproveitou essa mudança no comportamento do brasileiro e se enfeitou com uma diversidade de conteúdos para conquistar público e patrocínio. É difícil algum telespectado não ser cutucado pela moda durante a semana. Hoje é tanta informação sobre o mundo fashion que nem os estilistas escaparam da vitrine – tendo seus nomes mais citados do que os de atores de novela das sete.

Um percurso aparentemente intenso. Mas não muito diferente de tantos outros. O que mais me chama atenção nesse universo não é a trajetória de visibilidade, mas sim um incômodo! Mais precisamente: o discurso dos veículos de comunicação sobre o que acontece nas passarelas. Apesar de justificar bem o termo comumente usado, esse papo recorrente de que “no verão 2011 vão usar cores cítricas e regatas” e “o outono-inverno 2035 pede boleros e cores ocres” coloca a moda muito mais para um padrão de consumo, do que para um espaço de experimentação de outras formas de se vestir. A palavra “tendência” vira um eufemismo para “ordem de compra” e se distancia da ideia interessante de ser uma transformação da observação do estilista, diante dos valores vigentes da sociedade, em roupas. A moda, como um hábito temporário (o que implicaria em consumo), deixa de ser um fenômeno espontâneo de identificação e transmuta-se para mero efeito das normas.

Pode ser romantismo de minha parte, mas é assim que penso! Sei que tem público ávido pelas regras e, por isso, acho importante satisfazê-lo. Porém existe também muito do mesmo. A TV aberta, em particular, não deve cair na preguiça recorrente de repetir discursos. O exercício pela novidade precisa ser constante, ou então não se justificaria tanta concessão pública!

Uma exceção

Mesmo com toda a redundância, assisti recentemente a um teleproduto que até então se desvinculou desse discurso maçante de tendências. É o Projeto Fashion. Mais um formato estrangeiro (sim, é verdade!), porém muito bem executado. O triunfo do programa é o fato de ser uma competição entre estilistas e, por isso, apresenta a moda de outra maneira: foco nos aspectos criativos e na transformação de conceitos em roupas. Parece coisa de programa ultrassegmentado (não deixa de ser!), mas possui artifícios para incluir vários círculos de telepectados-modelos. Sou prova viva disso! (rs)


Apesar da eficácia do programa, existem alguns fatores que poderiam ser ajustados na adaptação do modelo gringo ao estilo verde e amarelo. Sei que a depender do contrato assinado, essas coisas são impossíveis de fazer, uma vez que os vendedores da idéia tendem a preservar ferozmente sua metodologia. Por outro lado, se programas como BBB não conseguissem a liberdade para remodelar as edições, provavelmente não estariam presentes até hoje! Enfim... sobre esses elementos de ajuste que tratarei daqui por diante.

A apresentação

A figura do apresentador que é também jurado funciona bastante. Mas a forma da apresentação parece não favorecer a credibilidade da disputa. Ter escolhido Adriane Galisteu foi uma decisão mais que acertada. Ela tem experiência e possui imagem muito associada à moda. Porém as excessivas poses fotográficas feitas durante sua comunicação com os competidores, apesar de aparentemente alinharem-se ao tema, tiram a atenção do que é dito, além de quebrarem a espontaneidade necessária à realidade da disputa. A impressão passada é de um testemunhal (formato publicitário) lido e não de uma conversa. Percebo que esse mal (se assim pode ser dito) não é exclusividade do programa. Existem outros enlatados estrangeiros por aqui que colocam nossos apresentadores, cheios de apelos conativos dos programas de auditório, em estruturas artificiais distantes dos telecostumes brasileiros. Essa questão da naturalidade é tão importante que até o telejornalismo enfrenta atualmente conflito estético – mesmo com anos andando na contramão dos programas de auditório, tenta arduamente ajustar seus modelos mecânicos de fala em formas mais parecidas com o nosso dia-a-dia.

O mentor

Sobre a figura do mentor, acho também bastante válida. Porém a escolha por Alexandre Herchcovitch não foi das melhores. Entendo que seu nome é o mais reconhecido pelo grande público, porém sua performance carece de expressividade. Mesmo sendo um dos estilistas mais populares, ele possui certa monotonia em sua fala, tornando seus diálogos com os participantes desestimulantes. Às vezes dá impressão de que ele não está interessado no que está vendo. É só impressão, eu sei, mas ele acaba não “vendendo” aquele momento do programa. Acho que a pessoa a ser escolhida precisaria ser mais empática e com recursos de comunicação mais expressivos. Não adianta apenas ser um estilista renomado, para essa função precisa também ter atributos que contribuam à condução do programa. Talvez se ele fosse convidado para o júri funcionasse melhor.

Os competidores

Sobre os participantes parto do mesmo raciocínio. Não adianta escolher excelentes estilistas e péssimos competidores. Acho que a composição do grupo masculino foi muito feliz, pois foram escolhidos perfis diferentes. Já o feminino, mesmo parecendo ser o grupo em que estão as melhores concorrentes, tem perfis próximos demais, gerando redundância de postura e discurso. É como numa dramaturgia: se os personagens são muito parecidos, a história corre grande risco de ficar reta. São as diferenças de personalidade que dão dinamismo e conflito. Uma evidência de boa escolha é a presença do candidato Wesley na competição. Apesar de ser tido pelos jurados como um candidato mais truqueiro do que estilista, ele é peça fundamental no programa. Seus vários recursos orais dinamizam sua fala, além da personalidade excêntrica, que lhe permite raciocínios inusitados, e seu humor ao se vestir, agregando para visualidade do programa. Pensando nesse formato, em que dar depoimento é uma das principais contribuições de um candidato, ter uma fala dinâmica é critério fundamental na escolha do grupo competidor – introspectivos ou monótonos têm de ser exceção e não o contrário.


A veiculação

O horário de 22:20 de sábado não me parece muito pertinente para o público jovem (núcleo da audiência do teleproduto), pois muitos dessa idade saem nesse horário, comprometendo o ibope. Por outro lado, é perfeitamente possível assistir aos episódios pela internet (o site, inclusive, é bem amistoso, assisti tudo por lá). A reprise às terças é uma saída, mas o horário de 20:25 não é o ideal. Acho que o programa poderia ser inédito na terça ou quinta depois das 22:30 horas.

A abordagem do tema

Como tinha dito, o recorte temático do programa se distancia dos discursos recorrentes sobre moda. Mas esse foco não é distribuído uniformemente entre os blocos.  É possível percebê-lo claramente no momento da avaliação dos jurados. Antes disso há uma dedicação maior em demonstrar a tensão da competição. Sinto que é pertinente exibir o drama da disputa, pois é um momento em que se torna mais fácil atrair todo tipo de público. Porém acho também que o teleproduto usa demasiadamente depoimentos dos participantes a respeito das dificuldades de realização das provas (maioria por conta do fator “tempo”). Aí tem uma hora que o papo se repete. Nessa etapa de elaboração das roupas poderia ser mais explorado os ganchos e ironias que serão discutidos no pós-passarela.
 
Volto, então, para o papel do mentor que poderia ser usado para conduzir as problemáticas das criações. Geralmente ele aparece para apresentar as provas e observar o trabalho dos candidatos. É importante a imparcialidade, só que ele poderia questionar mais, para trazer novos impasses aos candidatos. Esses embaraços exigiriam deles escolhas cruciais que seriam avaliadas pelo júri. Nesse percurso temos um enredo traçado – uma estratégia pertinente para esse tipo de programa, principalmente num país em que o carro-chefe é a teledramaturgia.


Não entendo, por exemplo, porque o mentor não dá um retorno aos candidatos sobre a votação, apenas aparece para mandar o eliminado da semana pegar suas coisas. Sua participação restrita acaba aproximando-o da figura de um apresentador – o que não é o caso. É preciso intensificar sua função.

Outra questão em torno da abordagem é talvez a mais trabalhosa: encontrar o que há de comum entre estilistas e clientes, explorar o elo de conteúdo que interesse tanto a galera que faz moda, como seus consumidores. É necessário sempre sutileza quando se pretende aprofundar um assunto para não tornar o papo somente para especialistas. Tempo pra tal o programa tem, basta eliminar as redundâncias...

Tudo isso que expus, apesar da exaustão, são apenas detalhes. Espero mesmo que o Projeto Fashion tenha uma segunda temporada e consiga se desprender de algumas barreiras do formato original que não agregam à veiculação brasileira. É preciso ter margens de adaptação. Deve até ter! Mas outras, como as que citei, ainda podem ser feitas.

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