Relembrando Passione


Apesar de se chamar Passione, a telenovela das-nove esteve mais para a frieza de uma equação de segundo grau do que para um sentimento avassalador. Seu último capítulo provocou bastante descontentamento (o que é comum!), mas acredito que os maiores problemas ocorreram ainda em seu desenvolvimento. Um enredo racional com personagens abarrotados de relações, principalmente familiares, tornou o teledrama impreciso, deixando o telespectado confuso e descrente.

Silvio de Abreu mais uma vez optou por um conflito principal investigativo e, por isso, concentrou seus esforços no antigo jogo de mostra-esconde indícios. Até então, tudo normal! Obras assim estimulam a atenção da audiência e aí todo detalhe pode parecer uma pista ou uma prova. É necessária a atenção redobrada do autor para que a lógica criminal a ser cumprida surja com progressões e sustentações precisas. O mais “importante” já ocorreu, outros fatos devem acontecer e nem tudo pode ser revelado logo de cara, afinal são vários meses pela frente. Esses fatores não existem apenas em novelas desse tipo, mas acho que em casos como este tais características são mais acentuadas (e, portanto, precisam ser bem desenvolvidas).

Em qualquer teledramaturgia é inevitável mais um elemento: o personagem. Dono da ação, ele é responsável em fazer com que a história caminhe sem a presença audiovisual do roteirista. Seus atos não surgem do nada, ou somente da vontade de quem o cria, necessitam geralmente de motivações que são compreendidas anteriormente (ou gradativamente) pelo público. O que parece óbvio nem sempre é tarefa de fácil realização, pois às vezes o autor precisa de determinadas ações para que o enredo siga um rumo desejado, mas ele não tem nas mãos o personagem com as motivações ideais para agir daquela maneira. Daí arranjos ou escolhas inadequadas são capazes de comprometer a crença do telespectado (que por mais condicionada que possa ser ainda não é automática, presume esforço e, porque não, desistência).

Para facilitar o meio-de-campo é comum vermos em novelas investigativas personagens com as mesmas características. Existem os calculistas para cometerem/investigarem os crimes e os de caráter duvidoso para serem eternos suspeitos. Em Passione não faltaram personagens para contribuir no enredo policial. O núcleo Gouveia, principalmente, estava cheio de “detetives” e de pessoas que escondiam-alguma-coisa. Aí vêm a duvida: como dar vazão à paixão entre tanta frieza. Sem dúvida é uma manobra arriscada, mas capaz de trazer bastante novidade se bem aplicada. O núcleo italiano, com seu estereótipo “emotivo”, talvez fosse um facilitador. Porém o que vimos a cada capítulo foi outra proposta que em particular não agradou. Quando história parecia ter avançado demais e entrado num beco-sem-saída, a paixão surgia como passagem secreta.

Dois exemplos evidentes foram Totó e Melina que tinham esse forte desejo como justificativa para recorrentes perdões e parcerias (respectivamente), permitindo que Clara e Fred continuassem ativos mesmo encurralados. Uma atração inexplicável e a vingança por uma paixão não correspondida foram as molas propulsoras à irracionalidade conveniente de suas atitudes. Essa subutilização da paixão me faz pensar o porquê do título da telenovela, uma vez que as demais relações eram padrões e nelas a paixão também não foi explorada sensivelmente.

Para agravar o uso excessivo de fórmulas em detrimento da sensibilidade, o novelista preferiu estabelecer várias relações entre as figuras dramáticas. O que poderia tornar o enredo complexo e ao mesmo tempo objetivo trouxe apenas disritmia e incoerências, pois os atos não repercutiam apropriadamente. Sem núcleos mais independentes, quando um fato importante acontecia, existiam personagens que simplesmente não se envolviam (mesmo existindo expectativa devido ao laço anteriormente estabelecido), pois eles precisavam desenvolver seus próprios conflitos para ajudar nas elipses. Na “morte de Totó”, por exemplo, alguns parentes e pessoas próximas nem puderam sofrer pela perda, tinham coisas mais importantes para fazer no momento... Cadê o coração desse povo???

 
Por outro lado o núcleo cômico cresceu muito no decorrer dos meses. Brígida, Clô e Jéssica foram fundamentais nessa evolução: a primeira por ser o alívio cômico do exaustivo CSI Gouveia; a segunda pela extravagância sempre engraçada (lamento apenas que a busca da personagem pela fama só tenha ocorrido nos momentos finais, pois a rivalidade com Jaqueline se tornou mais interessante do que quando o motivo era apenas Olavo e sua entrada à high society); a terceira por carregar praticamente sozinha a responsabilidade humorística de um triângulo amoroso, uma vez que seus companheiros não possuíam o mesmo carisma (destaco aqui a interpretação de Gabriela Duarte que progrediu vertiginosamente a cada capítulo).
 
Depois da apresentação do problema frieza VS. paixão e das fórmulas iguais ao Teorema de Pitágoras (que ajuda na resolução, mas a gente não sabe exatamente por que), a equação de segundo grau de Silvio de Abreu alcançou duas conclusões (como era esperado): resultado negativo à interpretação de Reynaldo Gianecchini (que perdia o sotaque à medida que ficava mais poderoso), ao segredo de Gerson, à farsa de Diogo e ao final feliz de Melina e Mauro; já o resultado positivo à morte (mesmo que tardia) de Diana, à interpretação de Mayana Moura (Melina) e Julio Andrade (Arthurzinho), à tagarelice de Lurdinha e à visita de Clô ao Projac.

Um bom resumo do que foi a novela é a sua própria vinheta de abertura. Verbalmente expressava com eficiência o nome do teleproduto, mas a parte audiovisual não dialogava com o discurso apresentado. Aquilo Que Dá No Coração de Lenine possui uma letra que descreve claramente a paixão. No entanto seu arranjo reto não desperta o sentimento explicado na música. Lenine tem um trabalho espetacular e a canção é boa, só acho que não foi a melhor opção para a vinheta. Como o telefolhetim pretendia falar sobre um sentimento, sua abertura poderia ser menos textual e mais sensorial. Uma canção mais forte, mesmo com poesia não tão fidedigna, talvez apresentasse melhor.

A aposta de hit associada às imagens de objetos avulsos aumentou a discrepância, uma vez que os movimentos de câmera eram muito lentos, contemplativos, distantes daquilo que faz perder o ar e a razão e arrepia o pêlo da nuca (palavras do cantor!). Sem contar que o tema da reciclagem, pouco desenvolvido, ganhou notoriedade apenas no fim da trama e ainda como suporte para outro tema. Enfim, muita descrição e racionalidade, pouco envolvimento e sensibilidade.

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